quarta-feira, 20 de maio de 2009

Meu artesanato é de gaivotas

de José Carlos de Vasconcelos


Meu artesanato é de gaivotas
No mar e no céu,
Duro ofício de asas e de vento.
Levanto-me de madrugada e começa o corropio
Na oficina, o desacato de luz inicial:
Nuvens, sal, tintas,
Tudo num enorme desalinho.

Esmero-me no trabalho das mãos.
Conjugar sargaço e música – eis o desafio.
Aparelho-me de paciência e barro,
Lixo, minhocas, peixe miúdo.
Amaino-me de fúrias, alturas excessivas.
A ciência do voo é a mais difícil. E exige arte.

Às vezes, a ensaiar, despenha-se uma gaivota.
E lá se parte o lume. São mil cacos,
Mil estrelas vivas pelo chão.
Penso mudar de ofício.
Dedicar-me aos pássaros de gaiola.
Ou a outro ramo, sem os segredos do vento,
De um simples saber exacto.

Mas quando vejo as gaivotas no mar e no céu
É um tão grande contentamento
Que volto sempre ao meu velho artesanato.

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