segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Ler o Mundo




Formar leitores para Ler o Mundo foi o título de um congresso realizado recentemente pela Fundação Gulbenkian, na tradição do muito interesse que a fundação tem dedicado ao tema.
A reflexão é mais oportuna do que nunca, porque o aumento do número de alunos a frequentar as nossas escolas básicas – uma das importantes conquistas da nossa democracia – nem sempre corresponde ao número de estudantes capazes de compreender uma linguagem complexa. É provável que todos se tornem leitores funcionais, porque o analfabetismo é agora raro na população jovem: aprenderão o suficiente para levar uma vida simples e saberão evitar os grandes problemas que poderiam ocorrer se não soubessem ler. Temos, contudo, de ser mais exigentes, pois sabemos que muitos saem da escola sem capacidade para ler e interpretar um texto complexo ou calcular uma taxa de juro, o que se traduz por uma dificuldade de qualificação profissional, ou por fracasso nas comparações internacionais. (…)
Para que as crianças gostem de ler é preciso que se recupere nas famílias a tradição da oralidade, de modo a que os pais e avós ganhem algum tempo a contar histórias infantis, quer através de livros, quer através da narrativa das estórias da família.
A investigação tem demonstrado a possibilidade de a leitura ampliar as capacidades do cérebro, criando diferentes perspectivas de interpretação da realidade e novas competências no manejo das emoções, contribuindo para a melhor compreensão da complexidade do mundo. Especialistas defendem que o que importa é que a criança leia, sobretudo textos que a mobilizem (…) Por isso, o interesse de uma criança ou de um adolescente por qualquer tema deverá ser incentivado, porque estará a contribuir para o ganho de hábitos de leitura, que só se poderão consolidar nas idades jovens.
Costuma dizer-se que se pode ler um livro desde muito cedo, na prática deve seguir-se o conselho de segurar a criança ao colo e com a mão disponível ler-lhe um episódio qualquer que o faça sonhar: não importa, a princípio, se é um texto de muito valor literário.
Houve tempos, no início da adolescência, em que só me interessava por banda desenhada ou imprensa desportiva. Ansiava pela chegada do Cavaleiro Andante para me deliciar com as aventuras de Tintin, ou para recriar, com os meus amigos, as investigações do detective Sexton Blake e do seu assistente Tinker, sempre na pista de tenebrosos crimes; ou recortava as crónicas de A Bola, onde Marco Márcio, Carlos Pinhão e Vítor Santos me encantavam com a capacidae de escrever várias colunas sobre um simples penálti.(…)
A minha mãe, sempre grande leitora, outrora encantada com a minha leitura compulsiva das histórias tradicionais(…), dos livros dos Cinco ou do devorar das aventuras de Sandokan, o Tigre da Malásia, andava agora inquieta.”O menino não lê nada!” Ao que o meu pai, mais sereno, depressa respondeu:”Vais ver que o miúdo depois muda, é da idade, depois lerá outras coisas…” E os dois ficaram contentes quando eu passei do Michel Vaillant para os livros policiais da Agatha Christie e Ellery Queen invadiram os meus tempos livres, à média de um por dia…e nunca mais esqueci O Assassinato de Roger Ackroid ou Vivenda Calamidade!
O actual Plano Nacional de leitura tem, entre outros méritos, a vantagem de oferecer uma lista de livros adequada a cada idade, o que constitui um valioso guia para pais e educadores. Muitos desses textos são estímulo à fantasia da criança e do adolescente: esse deve ser o principal desígnio da literatura infantil…

Daniel Sampaio*
(Crónica “Porque sim”, Pública, 1 de Fevereiro de 2009
*(integra a Comissão de Honra do Plano Nacional de Leitura)

(sugerido por Luísa M. Saraiva, coordenadora da Biblioteca)

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